quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Capítulo VIII - Lenda Viva!

Aquela noite, dormiram tranquilamente. O cansaço do dia, as desventuras no rio e as revelações de Iramaeles foram como um turbilhão de ideias em mentes serenas. As montanhas tinham jogado sobre o litoral uma bruma leve e fresca oriunda em parte pela tempestade ocorrida naquela manhã que acabou vitimando o cozinheiro.

Foram acomodados gentilmente pelo ancião dentro de sua tenda. Algumas ervas queimavam e davam a sensação de frescor interior abrandando as inquietações e garantindo um sono revigorante aos viajantes. No entanto nem todos dormiam. Afharin se deixou levar pela força de seu coração. Seu amado agora tinha um destino real e possível. A alegria era imperativa em sua alma. Era uma questão de tempo. Seu broche emitia uma luz fraca mas continua. E lá fora um céu sem nuvens revelava uma imensidão de estrelas como velas de várias cores iluminam uma procissão em data festiva. O luar quase tornava a noite um amanhecer.

-- Durma Afharin, faremos uma viagem não muito longa mas cansativa logo que amanhecer. Abrande sua ansiedade.

-- Há outros como o sr, Sr Iramaeles?

-- Apenas Iramaeles, minha jovem. Sim, há muitos outros vagando por este mundo. E também por outros. Estamos aqui a muitas gerações. Ora visíveis, ora não. Mas todos com algum objetivo a ser feito.

-- E qual é o seu?

Iramaeles riu mas logo prosseguiu. -- Quem sabe realmente? Por hora basta saber que seu anseio vai de encontro com algumas coisas que eu acredito. Por isso irei com vocês. Agora durma. Partiremos cedo.

O sol irrompeu sua luminosidade por toda a baixada, projetando-se ao longe nos contrafortes das montanhas a leste. Logo chegaram no ponto de encontro do rio que já se encontrava em seu leito natural. Do outro lado da margem os que não tinham conseguido atravessar saudaram a comitiva com o ancião. Atravessaram o rio sem maiores problemas. A frente iam dois capitães junto com Arhun e Iramaeles logo atrás, cada um ao lado do outro.

-- Está a muito tempo nesta região, Iramaeles? Perguntou Arhun.

-- Não havia nascido ainda majestade. E nem o rei vosso pai. Vim de longe, tenho andado bastante como já lhe disse, mas sua vinda e a de sua filha trouxeram-me uma questão a ser resolvida. então nossos destinos se cruzaram. estavam prontos para isso aguardando apenas o momento certo. E eis que nos prostramos aqui em busca de um objetivo a princípio particular. Mas na verdade mais comum a nossos corações do que se possa supor. Coisas que serão reveladas individualmente, mas que se cruzam como numa rede de pesca.

-- Sempre fala tudo de forma enigmática?

-- Procuro falar da forma que seja entendida, mas que se esteja pronto para entender. Ahhh ... exclamou o ancião. -- Vamos virar nesta trilha.

Onde o caminho revelava apenas uma pequena estrada, ao lado um emaranhado de arbustos e pequenas árvores se abriram de repente revelando uma trilha menor. Uma subida levemente mais íngreme em poucas horas os colocou aos pés das montanhas. Apesar do calor o ar ali já era mais fresco. Adentraram um pequeno vale e o caminho ficou mais íngreme. Mais uma pequena passagem e a trilha tornou-se um caminho estreito e pedregoso. Mal se podia passar com os cavalos.

Um dos capitães á frente indagou baixinho com seu companheiro para tentar não ser ouvido se Iramaeles não havia se perdido. Ao que ouviu a voz do ancião logo atrás.

-- Tão certo quanto é certa a sua dúvida neste momento, meu capitão!!

Afharin e Arhun riram baixinho. Magos!!

Estavam nos contrafortes da montanha. Subindo. Iramaeles assumiu a ponta como guia. Viraram num pequeno rochedo e pararam. Nem todo caminho se encontra olhando apenas para o chão que se pisa, dizia o ancião. As vezes o que se procura não está debaixo do nariz, mas sim pra cima dele.

Levantaram os olhos e ouviu-se uma exclamação em uníssono. Todos pararam e se fez tanto silêncio por alguns momentos que quase se podia ouvir o mar, já a muito distante. No rochedo a sua frente viram, vigilante e austero, a figura de um dragão. Imponente e imóvel a estatua guardava a entrada da estrada que levava á cidade dos dragões. Iramaeles ria quase que copiosamente dizendo que amava aquele som.

-- Que som? Perguntou Arhun. -- Estamos todos em silêncio admirados.

-- O som de uma lenda virando realidade no coração dos incrédulos, majestade.

Prosseguiram o caminho e logo chegaram á estátua. Ficaram admirados com a beleza do acabamento. Havia sido lapidada por mãos de Kawtby, e polida com fogo de dragão. Logo atrás avistaram uma passagem. Um portal que dava para uma caverna. Pararam por ali por alguns minutos e vislumbraram todo o litoral abaixo até avistando o mar de Mararam. Fizeram uma refeição breve e encheram os cantis numa cascata próxima. Em seguida adentraram ao portal. Ficaram surpresos com algumas tochas acesas pelo caminho e como um reflexo desembanharam as espadas.

-- Tomara que com sorte possamos passar despercebidos. Disse Arhum.

-- Acredito que a sorte seja exatamente sermos notados, majestade.

-- As vezes você é enigmático demais, ancião Iramaeles.

-- Tenho me esforçado nos últimos 500 anos Arhum. Senão não teriam vindo me procurar. Riu sarcasticamente o velho homem. -- Mas acalmem-se. Nem toda surpresa é um perigo.

Continuaram caminhando por cerca de uma hora, adentrando ora em passagens mais estreitas ora em salões mais amplos que começavam a ficar cada vez maiores e mais frequentes. Começaram a sentir uma brisa  vindo de um dos tuneis. Iramaeles ia de encontro a ela. Logo se tornou um vento mais forte que agitava os cabelos do ancião e da princesa. As tochas acesas terminaram mas ao fim de um túnel amplo começaram a ver uma luz.

-- Chegamos. Disse Iramaeles.

Andaram um pouco mais e viram uma ponte em meio a uma garganta no meio da montanha. Mas não era uma garganta qualquer.

-- Meus amigos, vejam uma lenda se tornar realidade. Contemplem Fairinok, a Cidade dos Dragões.



A emoção que lhes abateu foi tão grande que a princesa e o cozinheiro começaram a chorar. Outros prostraram-se de joelhos ao chão frente a magnitude quase santificada daquele lugar. O próprio Arhum se ajoelhou e num gesto de puro reflexo e como se quisesse pedir perdão por algo retirou a coroa de sua cabeça, colocou-a no chão em frente de si, e começou a rezar.

Quando nos deparamos com algo desconhecido ou que não compreendemos, mas que essa força nos toca nos fazendo sentir emoções e sensações que atingem nossa alma, costumamos a dizer que tivemos o encontro com o divino. Assim se sentiram os viajantes de Kawtiby. Pois na verdade aquela força sempre esteve com eles. Era parte de sua história, sua existência e se encontrava apenas adormecida pelos anos do esquecimento e da não prática daquilo que para eles logo poderia ser chamada de Fé.

-- Eu vi o último dos dragões morrer, majestade. Eu estava lá. Disse Iramaeles.

-- Por que não nos contou, ancião?

-- Tem coisas que precisam ser vistas e ouvidas apenas pelo coração, majestade. Mas fico feliz que tenha se reencontrado aqui e agora. Todos vocês tem dúvidas, mas seus corações são fortes e bons. Terão sucesso em seus desejos por pior que sejam suas lutas. Mas levantem-se. Precisamos continuar.

Se recompuseram ainda tomados de emoção e começaram a caminhar a passos lentos, contemplando aquele cenário único e inimaginável até então. Quem construiu aquele lugar, e quando, nem Iramaeles conseguia dizer ao certo. Estava ali uma coisa que podia ser mais antiga que o próprio ancião. Próximos a chegar na outra extremidade da ponte, se assustaram com a passagem de uma sombra sobre eles. O que poderia ser? Uma nuvem? A sombra de uma não poderia ser projetada ali dentro. Além do quê havia passado muito rápido para ser uma nuvem. Ficaram alertas e aceleraram o passo. Chegaram ao outro lado e logo entraram em um salão amplo e arejado. O salão na verdade não possuía um teto. A parte superior era aberta onde se podia ver o pico das montanhas em volta e o céu azul. Prosseguiram.

De repente um ressoar ecoou pelos salões e poeira caiu do teto e pedras rolaram das paredes enquanto sentiam um leve tremor sobre seus pés. Pararam imediatamente assustados e interrogativos. Um pequeno terremoto? Algo mais vivo que um tremor ainda habitava aqueles salões. Adentraram a uma nova câmara.

Cada novo salão era adornado em suas paredes com entalhes trabalhados com desenhos, pictogramas e inscrições antigas que a maioria não conhecia. Haviam referências a um tempo antigo com certeza. Figuras de homens e dragões eram vistas em várias situações: lutando entre si; se cumprimentando; lutando juntos. No salão seguinte Arhafin parou e ficou olhando para um grande entalhe que tomava todo um lado da enorme parede do salão em que estava. Identificaram a história que Iramaeles lhes contou sobre a batalha do último dragão. A princesa viu então que o broche entalhado era o broche que ela carregava.

Do nada uma ventania, quase como um pequeno tornado se formou no salão. Seguido de um leve tremor a poeira se levantou formando uma verdadeira nuvem que não permitia se ver mais do que dois metros adiante. O ressoar agora se tornara como o rugir de uma grande fera. só que estava muito próximo. Se desesperaram quando um grande vulto escuro adentrou a sala vindo do céu. Não podiam acreditar no que imaginavam ser. Não conseguiam identificar. O rugir ficara mais forte. A sombra formada entre a poeira sugeria uma criatura que até pouco tempo habitava apenas seus sonhos e sua imaginação. O salão se aqueceu. Um ar fumegante os sufocava e de repente um lampejo de fogo passou por suas cabeças. Dois acabaram feridos pelas chamas. O chão tremia. Entre gritos e baforadas fumegantes então a criatura se mostrou saindo das sombras. Era um dragão. Ficaram atônitos. Uma lenda viva estava diante deles. Com as espadas em punhos tentavam se defender. O rei tomou a frente. Iramaeles penas gritava para baixarem as espadas. Mas com todo o terror em seus corações naquele momento, mal podiam reagir apenas pensando em sobreviverem. Arhum tentou atacar mas logo foi derrubado por um golpe dado pelo dragão com sua calda. O dragão se aproximou com suas narinas já fumegantes pronto pra transformar em cinzas a história do rei. Nesse momento, inesperadamente, Afharin se colocou entre o rei e seu algoz. Como um reflexo levantou o broche em punho que agora brilhava como um grande farol que quase cegava todos os demais. Era um brilho intenso que nunca jamais ninguém havia visto mudando do vermelho ao azul como por mágica. Os olhos do dragão brilharam em resposta. Mas ele avançou. Gritaram pela vida da princesa. E no momento em que acharam que o dragão a devoraria viva, ele parou diante dela.  Recolheu as asas. Cessou o fogo das narinas. E baixou a cabeça em deferência diante da princesa.

CAP I, CAP II, CAP III, CAP IV, CAP V, CAP VI, CAP VII.

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